Catete é um curioso bairro carioca. Aqui se encontra de tudo. Desde a fina flor do bom gosto até certas bizarrices deprimentes, há tudo pela região. Há pela área também muitas almas a respeito das quais eu diria, meio claudicante, que são peculiares.
Dito isso, hoje pela manhã acordei com uma dessas peculiaridades. Um sujeito de voz forte e grave, quase um baixo profundo, cantando aos berros perto de minha janela. Afortunadamente e com as benesses das deusas e dos deuses, logo devo registrar e avisar, ele não cantava para mim. O mundo, este sim, era seu infeliz alvo. A canção – chamá-la-ei de canção, por misericórdia – era bem melancólica. Quanto a letra, incompreensível. Na hora pensei, meio que de forma lacônica: glossolalia a essa hora da manhã? Todavia, não se tratava deste notável fenômeno. Era outra coisa de explicação mais humana. Na verdade, era apenas muito álcool nas ideias. Tratava-se dum ébrio muito ébrio a cantar para o mundo algum tipo de dor. Coitado. Parado em frente a sua fonte, um depósito de bebidas, ele cantava todo seu pesar. Compadeci-me do sujeito. O que teria ele passado para cantar daquele modo? O que a vida lhe teria reservado para tamanha lamentação? Não sei. Só sei que, então, de súbito, ele parou. Felizmente deve ter se cansado e foi dormir, pensei. Ledo engano meu. Ao espiar pela janela, vi que estava se abastecendo novamente naquele depósito de bebida. Minutos depois, a cantoria seria reiniciada. Novamente, a mesma canção, a mesma dor, o mesmo pesar. Apenas a voz parecia surpreendentemente revitalizada. Certamente, algo decorrente de novos e muitos goles de uma braba manguaça qualquer.
Trôpego e cantante, ele seguiu até se escorar num poste. Era um ponto de ônibus. A seu sinal, ali parou o coletivo. Nele o ébrio muito ébrio entrou, ainda cantando a plenos pulmões. Assim, aquele sujeito seguiu viagem, sabe-se lá para onde.
Novamente, compadeci-me. Contudo, desta feita, compadeci-me dos demais passageiros daquele ônibus. Certamente, eles teriam nesta manhã uma longa viagem.
Enfim, coisas do Catete, um bastante curioso bairro carioca…
